terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tão real

Ela se pegou novamente com aquele sorriso bobo no canto da boca. Desses de quando se está apaixonada. Ali, parada, sozinha, com o olhar perdido. E imaginando. Não precisava de sua presença. Sua imagem se fazia muito concreta na mente. E ela mergulhava nesse pensamento. Cada vez mais fundo. Já não conseguia discernir o que era memória e o que era inventado. Não precisava. Ela gostava disso. E criava mais, como ela queria que fosse. Perpetuava a fantasia e não a deixava morrer, como quem coloca de tempo em tempo mais lenha na lareira impedindo a chama de se apagar. E podia sentir, podia ver, podia viver. Ele podia ser dela de novo. E ela dele. E havia o amor.
- Ahhhh... - Suspirou.
Era tão real.


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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Errar é preciso

Ela resolveu parar de usar a borracha. Não mais apagaria. Não mais rasgaria a folha. Não mais tiraria da memória. Apenas passaria uma linha por cima. Viraria a página. Deixaria ali. Porque quem erra pode corrigir. Quem cai pode levantar. Quem se fere pode se curar. Contudo, sempre fica a palavra, fica a dor, fica a cicatriz. Mas também, o aprendizado. Já quem apaga, torna a errar. E apaga. E erra. Novamente, em uma farsa constante. Entretanto, ela aceitou o erro. Consertou e seguiu com ele na memória. Nunca mais o cometeu. E errou novamente, de outras formas. E não negou, não se enganou. Porque acertar sempre não é preciso. Quiçá impossível.

domingo, 30 de outubro de 2011

Fado

E ela continuava caminhando. Sabia que aquilo não levaria a nada. Nada além de uma angústia cada vez mais forte. Uma angústia que tirava a alma de seu corpo e a levava a um lugar tão quente quanto o inferno. Uma angústia que poderia se comparar a um nó na sua garganta, a um aperto no seu peito. Mas ela persistia. Sem saber por quê. Nem para quê.


A estrada se alongava infindavelmente. Quando parecia estar terminando, uma nova curva surgia. Essa curva estivera escondendo mais um longo caminho a ser percorrido. E ela sabia que no final deste, haveria outra curva. E outro caminho. E outra curva. E assim seria.


Todavia, ela tinha uma esperança. E essa esperança se reavivava a cada nova direção que ela tomava. E era perdida quando ela avistava uma curva. Novamente uma curva.


Estava anoitecendo. A escuridão se faria em pouco tempo. A escuridão a impediria de prosseguir. E ela começou a achar que seu fado seria desistir. Mas logo ela? Ela que sempre achou que desistir era para os fracos. Ela que sempre foi corajosa. Ela que sempre gostou de vencer os desafios.


Não. Não seria a ausência de luz que a impediria. Deixaria que seus instintos a guiassem a partir dali. Ela confiava neles. Foi obrigada a confiar. E, assim, poderia conseguir. Conseguir não o que queria, porém o que lhe estivesse destinado.


Foi, foi, foi. E foi. Em um determinado instante, seu pé direito não teve mais chão sob ele. Provavelmente, a longa estrada havia terminado. Chegaria então ao seu fim. À morte.


E naquele 1 segundo entre a percepção de que não havia mais nada pela frente além do abismo e o próximo passo que levaria à sua queda, ela viu alguns momentos de sua vida. Ao contrário do que dizem, ela viu as suas piores lembranças. Choro, tristeza, decepções, rejeições. E ela teve vontade de acelerar o tempo. Não queria mais pensar nisso. Ainda mais sabendo que em milésimos de segundo ela morreria.


Que acabasse logo, então. Mais nada sob seu pé esquerdo.


Uma mão no seu braço direito...

sábado, 13 de agosto de 2011

Objetivos

Ele virou-se e saiu andando. Possivelmente nunca mais o veria a partir daquele dia. Como seria possível viver, então? Sua vida era nada além dele. Ele e ela. Ela e ele. Eram apenas um. Mas agora não mais. E ela seria apenas uma metade.


Ela caiu no chão. Ali mesmo. Em uma calçada, de uma rua, de um bairro, de uma cidade, de um estado, de um país, de um continente, de um mundo. Mundo. Esta palavra perdia nesse momento seu significado. Seu mundo tinha acabado de partir. Sem volta, provavelmente.


E chorou. Sozinha. Incompleta. Por que ele fizera isso? O amor não havia acabado. Pelo menos não para ela. Até o dia anterior ele dizia que ela era a vida dele. Isso pode mudar assim? Tão rápido. Seria tudo isso um pesadelo?


“- Não posso mais ficar com você...


- Como assim, amor? Você está brincando né?


- Eu estou falando sério. Acabou.


- Não, não fala isso. Por quê?


- Acabou, apenas. Não há explicações.


- Por favor, não faz isso! Eu não posso viver sem você! Tem que haver uma explicação. Foi algo que eu fiz? Me fala que eu mudo... Não me abandone!


- Fica bem.”


Relembrou. Inconformada. Uma raiva a invadiu nesse momento. Ele não pensara nela. Ela só pensara nele. Ele era tudo para ela. Ela não fora nada para ele. E agora só tinha uma coisa em mente. Uma decisão precipitada. Um objetivo.


Andou até onde seu carro estava estacionado. Entrou nele e deu partida. Acelerou e correu atrás de sua meta. Literalmente. Foi.


E no dia seguinte, a notícia de uma morte por atropelamento encontrava-se nas capas dos jornais.

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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Tão simples. Tão complexo.

Não bastaria se olhar no espelho. O espelho, por si, reflete apenas o que a realidade já nos mostra. Mas ela queria ir além. Ela queria ver mais do que seus olhos poderiam enxergar. Ela sabia que em algum lugar havia um mundo diferente. Um mundo muito mais complexo do que se pode imaginar. Tão complexo que pareceria simples aos olhos dos seres humanos. Eles não conseguiriam entendê-lo.


Para ela, cada pessoa teria seu espaço nesse lugar. Cada pessoa, de alguma forma, poderia contribuir para formar essa outra realidade. Talvez fosse como nos sonhos. Mas ela sabia que não. Não precisaria dormir para chegar a esse mundo. Ele existe. E ela queria descobrir como alcança-lo.


Foi então que, um dia, após tentativas fracassadas, ela resolveu sentar à beira do lago. E ela ficou olhando seu reflexo na água. Olhava fixamente. E percebeu que não estava mais sozinha. Havia mais um rosto ao lado do seu. Na água. Como se alguém estivesse se aproximando. Mas ela não queria virar a cabeça para conferir. Ela acreditou naquilo. E sem que precisasse se mexer, seu rosto virou. E ela o viu.


Ele era alto, cabelos castanhos, olhos azuis, pele alva. Ele sorriu. Não precisava ser bonito. Aquele sorriso... Como ela nunca o vira? Ela sempre estivera ali. Naquele horário. Naquele lugar. Todos os dias. E ela não falou nada. Sorriu. E assim ficaram por um tempo. Olhando-se. Sorrindo. Estando. Sendo.


Não precisava de palavras. Ela conseguia entender o que ele desejava. Ele conseguia saber o que ela queria. E como se fossem velhos conhecidos, eles se abraçaram. Um movimento completamente perfeito, como se combinado antes. E um beijo. Era isso. Não foi ele que a encontrou. Nem ela. Foi. Simplesmente foi. E isso não poderia ser chamado de outro nome além de amor. Amor.


Ela não poderia sair dali. Era ali que ela queria ficar. E ele permanecia. E eles continuavam. E ela tentava entender como isso acontecera. Seria isso real? Estaria ela no mundo real? Ou no mundo paralelo? Ou em um sonho? Mas não havia explicação. Não sabia o que estava ocorrendo. Não importava mais. Apenas foi. E assim ficou... Tão simples. Tão complexo.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Viu o chão...

Todo dia se repetia como se ela voltasse no tempo. E assim o tempo passava, e ia, e ia, e ia. E a jovem continuava ali, deitada naquela cama esperando que algo diferente pudesse acontecer. Mas nada mudava.


O despertador tocava. Ela abria os olhos. E entrava a mesma moça de roupa branca. Trazia a mesma bandeja de sempre. O mesmo prato, o mesmo copo e os mesmos talheres. A mesma comida. O mesmo quarto. A mesma cama. A mesma rotina.


Todavia, nesse dia, algo foi diferente. A jovem começou a pensar. Pensar em coisas que antes não passaram pela sua cabeça. Ou coisas sobre as quais ela simplesmente preferia não se dar ao trabalho de refletir.


Quando aquilo iria mudar? O que era aquilo? Há quanto tempo estaria neste lugar? Na verdade... Que lugar era este?


- ALGUÉM? AHHH!


Ela gritou. E nem a sua própria voz ela reconhecia. Há quanto tempo não falava?


Gritou de novo. Em vão.


Levantou-se da cama. Caiu. Quanto tempo passou sem andar?


Arrastou-se até a parede.


Viu a cortina. Viu a janela. Viu o céu.


Viu o chão.


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